Neste 12 de dezembro, data da diplomação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o consultor jurídico da Contee, José Geraldo de Santana Oliveira, fala da expectativa para a posse no dia 1° de janeiro e da esperança no início de uma nova realidade social.

Na minha meninice, que teve lugar na zona rural do município de Itapuranga, interior de Goiás, coisa tão antiga que já se perdeu no eco tempo — nasci em 1952 —, sem o quê nem porquê, acreditava piamente que, menos a morte por ser fatal, tudo que acontecia ao 1º de janeiro se repetia cotidianamente por todos os demais dias do ano. Essa crendice era perturbadora, pois o medo, quase pavor, de que algo ruim sobreviesse nessa data e que se perdurasse no tempo, me privava da alegria que a todos contagia nesse simbólico dia.

Mesmo àquela época, não tendo conhecimento de Teodoro — personagem do romance “O mandarim”, de Eça de Queiroz, publicado em 1880, que, com um simples toque na campainha do diabo, fez morrer um mandarim na distante China, tornando-se herdeiro único de sua vultosa fortuna (convenha-se que, se o conhecesse, de nada me adiantaria, haja vista a incapacidade de o entender) —, imaginava que um simples estalar de dedos mostrava-se bastante para que meus sonhos, que jamais foram povoados pela ambição material, se concretizassem, para me fazer feliz e realizado.

Completado o ciclo da meninice, desvaneceram-se aqueles sonhos e os medos que os circundavam, sendo pouco a pouco substituídos pelo despertar da vida concreta, bem distinta da que fantasiava, nos primeiros anos da vida, que trazia as marcas que mais inquietavam e continuam inquietando e angustiando: a desigualdade e as desumanas injustiças sociais.

O correr dos anos me fez constatar que, não por motivos fantasiosos como eram os meus, ou pelo toque na campainha do diabo, é possível, sim, algum fato marcante que tem lugar ao dia 1º de janeiro, ou em outro qualquer, ao longo dos 12 meses do ano, seja bom ou ruim, repetir-se nos demais dias daquele ano, com reflexos em muitos outros anos vindouros.

Até mesmo a morte, metaforicamente falando, pode não ser única para alguns ou muitos, pois, como ironizava Shakespeare, o covarde morre muitas vezes antes de sua morte; o valente, só experimenta uma morte.

O Brasil é pródigo em acontecimentos desse jaez, notadamente os que encerram gigantescos e irreparáveis danos políticos e/ou sociais, tais como 1º de abril de 1964, data do golpe militar que se estendeu por nada menos que 21 anos; 15 de março de 1990, data da posse de Fernando Collor; 12 de maio de 2016, data de afastamento da presidente Dilma; e 1º de janeiro de 2019, data da posse de Bolsonaro, a maior farsa da história política do Brasil, que se converteu em tragédia de proporções incalculáveis.

Como, afortunadamente, o reverso também é verdadeiro, ou seja, o prolongamento no tempo e no espaço dos dias de júbilo, o dia 1º de janeiro de 2023, que será o dia que simbolizará o reencontro do Brasil consigo e com seu povo, do retorno triunfal da esperança e da alegria, da cultura da paz e da solidariedade e do abraço universal da diversidade e da pluralidade, com certeza, não apenas terá seus benfazejos ares e seu significado contagiando de forma plena os dias e os anos que a ele se seguirem, bem assim se eternizará, sendo elevado desde logo ao panteão da história.

Tudo isso, sem nenhum milagre, sem intervenção de ser extraterrestre ou toque na campainha do diabo, mas como vitória da ordem democrática, como fruto da luta e do destemor de pelo menos 60,3 milhões de eleitores/as que, destemidamente, disseram não ao fascismo e sim, sonoro e retumbante, ao Estado Democrático de Direito.

As crianças, os jovens e os adultos de todas as idades, de hoje e amanhã, o terão como referencial do dia em que a luz iluminou a treva, empurrando-a em definitivo para as profundezas do abismo.

Parafraseando o poeta Thiago de Mello, em seu magnífico poema “Os Estatutos do Homem”, o dia 1º de janeiro de 2023 será a festa do dia que chegou, iluminado pelo Sol da liberdade, da esperança e do porvir.

Segundo lenda judaica, um dia feliz equivale a um ano. Ampliando o significado desse belíssimo símbolo, espera-se que o dia 1º de janeiro de 2023 equivalha não apenas a um ano, mas a dezenas deles.

As monstruosas pedras que se acham no meio do caminho da reconstrução democrática — fazendo paráfrase ampliativa ao poeta Carlos Drummond de Andrade, no poema “Tinha uma pedra no meio do caminho”, de 1928 —, não são bastantes para diminuir o simbolismo e o brilho do dia 1º de janeiro de 2023.

Ao contrário, somente engrandecem seu significado, pois, para além da festa, do transbordamento da alegria e da esperança, uma vez que exigem a incolumidade da frente política vitoriosa, o desprendimento, a perseverança, a vigilância e a mobilização permanente de todas as forças sociais para garantir a solidez da conquista, a reafirmação do atemporal compromisso de o Brasil democrático, sempre.

Que venha o novo ano, que será um ano novo, marco de nova realidade social!

 

Por José Geraldo de Santana Oliveira - consultor jurídico da Contee

Fonte: contee.org.br

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