Depois do depoimento do General Mourão e os elogios feitos a ele pelo General Villas Boas o espectro do militarismo no governo volta a rondar o Brasil. De certo ainda é muito vivo na memória dos brasileiros a violência praticada pelos militares na ditadura que vai da década de sessenta até oitenta.

Mas, muito chama atenção que o Programa Fantástico – da TV Globo – tenha feito longa reportagem sobre a violência do tráfico na Rocinha (24/09/2017) e ao fim invocou na voz de Pedro Bial (o mesmo que entrevistou o Coronel Vilas Boas, numa conversa para lá de amistosa) um texto intitulado Democracia do Medo.

O texto funde a violência do tráfico com imagens da política nacional, insinuando que a única coisa que se democratiza no Brasil é o medo. Piora ainda quando o texto animado pelas imagens televisivas afirma que temos “medo do voto” e “medo de 2018”. Ficando evidente que as eleições (signo máximo da democracia brasileira, podem nos fazer mal).

Ao fim e ao cabo, estão questionando se o Brasil sai dessa crise pela via democrática ou pela via ditatorial de supressão dos direitos ao voto e a soberania política do povo com seu único instrumento de intervenção ordinária na vida política do país.

O elemento que mais instiga o povo a questionar a política hoje se plasmou na revolta contra a corrupção. Um tipo de corrupção que teria como únicos atores os detentores de mandato eletivo e seus colaboradores diretos. Assim, fica sugerido nas entrelinhas que com o fim da democracia (sem eleição em 2018) estaria sendo também combatido a corrupção. Mas se menos democracia equivale a menos corrupção, como era essa questão nos anos de chumbo da ditadura militar?

O pesquisador Paulo Henrique Campos (em entrevista à BBC Brasil em dezembro de 2016) afirmou sem ser refutado que o período militar no Brasil “consolidou a prática das propinas” para obter favorecimentos do estado em pleitos empresariais.

É conhecido que a Camargo Correa, por exemplo, cresceu de forma extraordinária na Ditadura militar e tinha ligações familiares com o interventor de São Paulo, Ademar de Barros (conhecido com o quem “rouba mais faz”).

A Odebrecht, por sua vez, foi que mais cresceu na ditadura e foi posta em pleno alinhamento com a PETROBRAS e todo o setor petroquímico. Quando Costa e Silva proíbe empresas estrangeiras de participar de licitações de obras no brasil, a Odebrecht sai em 1971 da 19º empreiteira em faturamento para 3º logo em 1973.

Nesse embalo, a Andrade Gutierrez passou de 11º para 4º em faturamento. Na contramão da simpatia militar, a empreiteira Rabello (que esteve responsável por importantes obras no período JK e, por sua vez era desafeto dos militares no governo) foi a falência logo em 1970. Apenas o movimento extraordinário dessas empresas já seria o suficiente para levantar suspeitas.

Mas podemos lembrar alguns exemplos de casos com fortes indícios de corrupção durante a ditadura: a hidroelétrica de Itaipu tem na sua história a morte do então embaixador José Jobim que teria se suicidado depois de divulgar que escreveria um livro sobre a corrupção naquela obra; a ponte Rio-Niterói começou por 238 milhões de cruzeiros em 1971 e terminou por US$ 674 milhões de dólares (segundo O Globo à época, mas a IstoÉ falou em 5 bilhões); as hidroelétricas de Agua Vermelha e Tucuruí (segundo Élio Gaspari) teriam sido feitas pela Camargo Correia com facilitação de nomes poderosos do governo; tem também o caso Paranhos Fleury envolvido com tráfico de drogas e extermínio (segundo Ministério Público).

São muitos os casos e vale a pena um estudo mais aprofundado. Para tanto recomendo a leitura do livro Estranhas catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988, de Paulo Henrique Campos, publicado pela Universidade Federal Fluminense (2017), obra fortemente fundamentada.

Finalmente, não se trata simplesmente de apontar quem é mais corrupto. A questão é ter clareza que transparência, o controle social, o direito à informação e autonomia das instituições como Ministério Público e Policia Federal somente são possíveis em ambiente radicalmente democrático e, mais ainda, são fundamentais para o combate a corrupção em qualquer nível de poder.
* Elton Arruda é professor, geógrafo e presidente da CTB-Piauí.
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